Juventude sem trabalho
Do total de pessoas desocupadas do país, 46,6% têm entre 15 e 24 anos, revela o estudo “Juventude e Políticas Sociais no Brasil”, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão subordinado ao ministro do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger. A proporção de jovens entre os desempregados é a mais alta entre os dez países analisados na pesquisa, que inclui nações em estágios de desenvolvimento econômico semelhantes ao do Brasil, como Argentina (39,6%) e México (40,4%). A reportagem é de Mariana Schreiber e publicada pelo jornal O Globo, 21-05-2008.
Desde 1985, a taxa de desemprego juvenil nacional não parou de crescer, passando de 6% para 19% em 2005 — quase o triplo do nível de desocupação dos jovens mexicanos (7%).
Atualmente, no Brasil, o desemprego entre aqueles que estão iniciando sua vida profissional é 3,5 vezes maior que entre os adultos com mais de 25 anos. O índice vem aumentando desde 1990, quando era de 2,8.
Segundo o Ipea, um dos fatores que explicam o desemprego alto entre os jovens é o custo menor de demissão desse segmento. Além disso, eles são considerados menos essenciais pela falta de experiência profissional. O estudo destaca que os jovens que enfrentam mais dificuldade para arranjar trabalho são os de baixa escolaridade, as jovens mulheres (especialmente com filhos) e os moradores de periferia. O técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea Roberto Gonzalez diz que muitos jovens precisam abandonar os estudos para buscar emprego devido à pobreza familiar, sendo levados a atividades precárias.
— Quem está completando o ensino médio nem deveria estar buscando emprego, mas o faz por questão de sobrevivência. O jovem de baixa renda acaba circulando de um emprego informal para outro e nunca consegue abandonar esse ciclo por causa da falta de estudo — afirma.
‘Mais velhos estão sendo contratados’
Em 1985, os jovens representavam quase 60% dos desempregados brasileiros.
A proporção veio caindo ao longo dos anos 90, até chegar a 43,8% em 2000, e voltou a subir para 46,6% em 2005. De acordo com Gonzalez, a queda do número de jovens desocupados na década passada não significou uma melhora da sua inserção no mercado de trabalho:
— O que aconteceu foi o aumento do desemprego entre adultos, e não a diminuição do desemprego entre jovens. A situação ruim da economia na década de 90 levou à demissão dos adultos. Agora a economia está crescendo e gerando postos de trabalho, mas são os mais velhos que estão sendo contratados O desemprego está diminuindo, mas menos entre jovens.
Gonzalez afirma que, para reduzir a desocupação juvenil, é preciso promover simultaneamente a escolarização, a profissionalização e a ampliação do acesso ao mercado de trabalho, com incentivos à contratação de jovens.
No estudo, os especialistas do Ipea dizem ainda que é “importante não restringir a atenção (das políticas públicas) apenas ao momento de entrada, e pensar em oportunidades de educação e requalificação continuada”.
A pesquisa chama a atenção para a necessidade de se criar incentivo financeiro — via bolsas — evitando que os jovens abandonem cedo a escola e cursos profissionalizantes para empregos de curta duração.
— Cursos que desenvolvem habilidades específicas não solucionam o problema. A escolarização é muito importante. A maioria dos jovens brasileiros não concluiu o ensino médio — frisa Gonzalez.
Ainda estudando, Camila Cristina de Oliveira, de 19 anos, está à procura de emprego há dois meses.
Mesmo tendo feito um curso de camareira para trabalhar em hotéis, as oportunidades não surgem:
— Como não se tem experiência, não tem oportunidade. Querem mais de um ano na carteira para comprovar experiência — lamenta.
Juventude e políticas sociais. Artigo de Márcio Pochmann
"O desemprego é um problema cada vez mais grave para os jovens entre 15 anos e 29 anos, que já respondem por 46% do total de indivíduos nesta situação no país - a propósito, a razão desemprego juvenil/adulto aumentou para 3,5 nos últimos anos", constata Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas em artigo, escrito conjuntamente com Jorge Abrahão de Castro, diretor da Diretoria de Estudos Sociais do IPEA, publicado no jornal Valor, 15-05-2008.
Eis o artigo.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou recentemente um texto para discussão intitulado "Juventude e Políticas Sociais no Brasil", em que desvenda uma série de aspectos do relacionamento entre a população juvenil e o conjunto da sociedade brasileira.
Há atualmente 51 milhões de jovens, com idade entre 15 anos e 29 anos, que enfrentam múltiplos riscos e problemas em seu cotidiano. Há uma elevada incidência de mortes por homicídios e acidentes de trânsito. Os homicídios correspondem a 38% das mortes juvenis, ao passo que 27% das vítimas fatais de acidentes são jovens.
Apenas 48% das pessoas entre 15 anos e 17 anos cursam o ensino médio e somente 13% daquelas entre 18 anos e 24 anos estão no ensino superior - revelando o significativo descompasso existente entre a idade e a escolarização dos jovens.
Ademais, chega a 18% a porcentagem de indivíduos entre 15 anos e 17 anos que estão fora da escola, percentual que atinge 66% entre aqueles que tem de 18 anos a 24 anos - acrescente-se que a principal causa de abandono da escola entre os homens é o trabalho e, entre as mulheres, a gravidez.
O desemprego é um problema cada vez mais grave para os jovens entre 15 anos e 29 anos, que já respondem por 46% do total de indivíduos nesta situação no país - a propósito, a razão desemprego juvenil/adulto aumentou para 3,5 nos últimos anos. A qualidade da ocupação é outro problema sério - 50% dos ocupados entre 18 anos e 24 anos são assalariados sem carteira, porcentagem que se mantém em 30% entre os que têm de 25 anos a 29 anos de idade.
Por fim, a insuficiência de rendimentos é um risco para boa parcela da juventude - 31% dos indivíduos entre 15 anos e 29 anos podem ser considerados pobres, pois têm renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo. O risco da pobreza é mais agudo para as mulheres e, também, para os negros - nada menos que 70% dos jovens pobres são negros.
Esse cenário enfrentado pela juventude desperta preocupações na sociedade civil e também no Estado brasileiro. Desde - pelo menos - o final dos anos 1990, há uma extensa rede de organizações da sociedade civil que têm, entre seus focos de atuação, a temática juvenil.
A mobilização social e política alavancada por esses organismos tem favorecido uma mudança de registro na discussão da condição juvenil.
Mais do que uma etapa crítica na trajetória de vida dos indivíduos e, paralelamente, mais do que uma fase preparatória para a vida adulta, a condição juvenil possui "valor" por si mesma. Ademais, exige uma série de políticas públicas gerais, e também específicas, que se mostrem aptas a minimizar os riscos e os problemas já citados, bem como maximizar as oportunidades de inserção econômica, social, política e cultural dos jovens.
Nos anos recentes, essas políticas ganharam importância destacada no corpo estatal, até porque os compromissos assumidos pelo Brasil em âmbito internacional o exigiam - compromissos assumidos, por exemplo, por ocasião da discussão do Programa Mundial de Ação para a Juventude (1995) e do Plano de Ação de Braga (1998), sob coordenação da ONU.
No sentido de possibilitar a estruturação de uma Política Nacional de Juventude no país, o governo federal criou em 2005 a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), que atuaria com o apoio do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) na implementação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem).
Este programa, originalmente direcionado para a população juvenil entre 18 anos e 24 anos que estava fora da escola e do mercado de trabalho, passou recentemente por um processo de ampliação, alcançando, então, outros grupos juvenis - como aquele constituído por pessoas entre 18 anos e 29 anos, que não concluíram o ensino fundamental, não estão no mercado laboral e estão em domicílios considerados pobres. O Projovem passou também por um processo de integração com programas coordenados por outras instituições, com o intuito de oferecer uma maior proteção contra os riscos, bem como um maior leque de oportunidades de desenvolvimento para os jovens.
Acerca disso, há relativo consenso entre os participantes do debate de que a condição juvenil demanda a articulação de políticas gerais com políticas específicas, além da integração de políticas coordenadas por diversas instituições, de distintos setores do Estado brasileiro. Aliás, um indicador da importância de se promover a articulação de políticas para a juventude pode ser medida pela atual multiplicidade de conceitos de "juventude" entre os programas estatais. A operacionalização de cada um desses programas conta com diferentes faixas etárias, cada qual focando em uma parcela da população juvenil.
Além disso, há diferentes noções informando os conceitos de "juventude" - alguns programas partem de noções mais atuais e emancipadoras, que identificam e tratam os jovens como sujeitos de direitos; já outros programas partem de noções mais tradicionais, em que predominam perspectivas tutoriais e subordinadoras de tratamento. Em seu relacionamento cotidiano com o Estado, os jovens defrontam-se com essa multiplicidade de conceitos de "juventude", o que não é saudável e só reforça a necessidade de maior integração das políticas.
Enfim, os milhões de jovens enfrentam riscos e problemas que só serão superados com a mobilização social e política das organizações da sociedade civil, bem como com a estruturação de políticas públicas gerais e específicas, de diversas origens e naturezas, que devem se articular e integrar para a abertura de oportunidades de inserção dos jovens na sociedade brasileira.
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