20 de fevereiro de 2009

Teologia: A Inerrância da Bíblia

É a Bíblia inerrante?


“Infalível” e “inerrante” são duas palavras freqüentemente empregadas para definir a doutrina da inspiração das Escrituras. Estas duas palavras comunicam conceitos muito preciosos.

Algumas Confissões de Fé publicadas por Igrejas ou organizações cristãs dizem: "A Bíblia é a Palavra de Deus, a infalível regra de fé e prática". Há, entretanto, uma outra declaração, ainda mais forte, que diz: "A Bíblia é a infalível Palavra de Deus, a única regra de fé e de prática". Embora pareça sutil, faz uma grande diferença onde você coloca a palavra infalível nas duas declarações. A segunda afirmação intenciona comunicar claramente que a Bíblia, em sua totalidade, não comete erros. Os manuscritos originais (as primeiras cópias) não continham erros.

Nos últimos anos a palavra inerrância tem sido preferida à palavra infalibidade. Inerrância é a palavra que descreve hoje a posição evangélica mais conservadora, no que diz respeito às Escrituras. As palavras mudam seu sentido, inclusive por empobrecimento ou enriquecimento. E assim alguns passaram a utilizar a palavra “infalível” para indicar algo menor do que “inerrante”. Estas pessoas sugerem que a Bíblia é fidedigna em certas áreas (tais como a fé e a moral) ao passo que não é totalmente fidedigna noutras áreas (tais como em questões de história e ciência). Parte daquilo que a Bíblia diz, afirma ou ensina, em rigor, não é a verdade, ainda que seu registro tenha sido motivado por “boas intenções”. Por isto, tais pessoas esposam o conceito de “errância” das Escrituras.

Dr. Edward J. Young (1907-1968) define a inerrância das Escrituras afirmando que cada asserção da Bíblia é verdadeira, quer a Bíblia se refira ao que se deve crer (doutrina) ou como devemos viver (ética), ou se narra acontecimentos históricos.[1] Ou seja, a Bíblia é a Palavra de Deus, sem erro em todas as áreas que menciona. “Todas as áreas”, e não somente questões religiosas! É óbvia a grande diferença entre as duas formas de crer.

De acordo com os escritores da Declaração de Chicago sobre Inerrância Bíblica, os termos negativos infalível e inerrante "têm valor especial, pois explicitamente asseguram verdades positivas cruciais". A Declaração de Chicago, elaborada em outubro de 1978 pelo Concílio Internacional sobre Inerrância Bíblica para afirmar a autoridade das Escrituras, continua:

Infalível significa a qualidade de não errar nem ser induzido ao erro, salvaguardando assim categoricamente a verdade de que a Escritura Sagrada é guia e regra certa, segura e confiável em todas as questões.

Similarmente, inerrante significa a qualidades de ser isento de falsidade ou erro, salvaguardando assim a verdade de que a Escritura Sagrada é inteiramente verdadeira e confiável em todas as suas declarações.[2]

Alguns críticos da Bíblia, entretanto, gostam de destacar que a “veracidade” bíblica está aberta a questões porque as Escrituras contêm erros que não são cientificamente precisos ou gramaticalmente corretos, existindo também passagens que se contradizem. Os redatores da Declaração de Chicago enfrentaram essas críticas de frente, dizendo:

Ao determinar o que o escritor inspirado por Deus está declarando em cada passagem, devemos dar a mais cuidadosa atenção às suas alegações e ao seu caráter como uma produção humana. Na inspiração, Deus utilizou a cultura e as convenções do meio ambiente dos seus escribas, ambiente este que Deus controla em sua providência soberana; imaginar qualquer outra coisa é interpretar erroneamente.

Assim, história deve tratada com história, poesia como poesia, hipérboles e metáforas como hipérboles e metáforas, generalizações e aproximações assim como e assim por diante. As diferenças entre as convenções literárias dos tempos bíblicos e do nosso tempo devem ser respeitadas [...] narrativas não cronológicas e citações imprecisas eram convencionais e aceitáveis e não violavam nenhuma expectativa naqueles dias [...] A Escritura é inerrante, não no sentido de ser absolutamente exata pelos padrões modernos, mas no sentido de cumprir suas afirmações e alcançar aquela medida de verdade específica visada por seus autores.[3]

Numa lista de Vinte Artigos de Afirmação e Negação, a Declaração de Chicago continua e confirma a necessidade de se entender como Deus inspirou certos homens para escreverem a Escritura em certas épocas e sob certas circunstâncias. O Artigo XIII diz: "Afirmamos a propriedade de se utilizar inerrância como um termo teológico com referência à completa veracidade da Escritura”.

Estes autores concluíram que a inerrância bíblica é o alicerce para a autoridade bíblica. A autoridade da Bíblia depende somente do fato de ser ela a Palavra de Deus. Ou aceitamos a Escritura como totalmente confiável e fidedigna em toda a matéria que registra, afirma e ou ensina, ou então que ela veio a nós como coletânea de escritos religiosos que contém tanto a verdade quanto o erro. Cremos que as Escrituras do Antigo e do Novo Testamento são verdadeiramente fidedignas e verazes, assim como Deus é veraz? Pois se a Bíblia é infalível e inerrante, então ela deve dar a última palavra - o mais elevado padrão de autoridade. E se a Palavra de Deus é autoritativa, ela exige obediência de nossa parte.

D. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) destaca que o ataque contra a autoridade das Escrituras teve início em meados do século XVIII, quando os eruditos começaram a defender a visão da "Alta Crítica". Pressuposições naturalistas, juntamente com o conhecimento e o racionalismo humanos e novas descobertas científicas eram trazidos e utilizados na tentativa de analisar a Bíblia e "entender sua verdade real". Tudo isso levou ao movimento que conhecemos como Liberalismo Teológico, o qual influenciou os séculos XVIII e XIX. O liberalismo via a Bíblia como repleta de erros, como obra humana sem maior autoridade do que as obras de Shakespeare ou Camões.

Com o alvorecer do século XX, teve início um novo movimento. Pensadores neo-ortodoxos tentaram restaurar parte da autoridade da Bíblia, reafirmando a pecaminosidade do homem e alegando que, embora a Bíblia não seja a Palavra de Deus, ela "contém a Palavra de Deus". Conforme Lloyd-Jones descreve: "Dizem-nos que a Bíblia é em parte a Palavra de Deus e em parte a palavra de homens. Em parte ela tem grande autoridade e em parte não tem autoridade alguma".

Lloyd-Jones observa que ficamos diante de uma questão básica:

Quem decide o que é verdade? Quem decide o quem tem valor? Como você pode distinguir e estabelecer a diferença entre os grandes fatos que são verdadeiros e os que são falsos? Como pode diferenciar entre fatos e ensinamentos? Como pode separar a mensagem essencial da Bíblia do pano de fundo no qual é apresentada?[...]

Toda a Bíblia chega a nós e se oferece exatamente da mesma maneira. Não há nenhum indício, nenhuma indicação que sugira que partes dela são importantes e que partes não são. Todas elas chegam a nós da mesma forma.[4]


O liberalismo e a neo-ortodoxia ainda estão entre nós de todas as formas concebíveis. Conforme Lloyd-Jones escreveu em 1957:

A posição moderna está de acordo com isso, ou seja, que realmente é a razão humana quem decide. Você e eu nos aproximamos da Bíblia e temos de tomar nossas decisões com base em certos padrões, os quais obviamente estão em nossa mente. Decidimos que uma porção está conforme a mensagem na qual cremos e que outra porção não está. Ainda estamos nesta mesma posição, a despeito de toda a conversa sobre uma nova situação hoje, em que o conhecimento e o entendimento humanos são os árbitros supremos e a suprema corte de apelação.[5]

Tanto os pastores, mestres e líderes, quanto ovelhas, alunos e membros da igreja em geral, todos podemos ser apanhados pelas dúvidas e pelo ceticismo da nossa época. Até mesmo os grandes líderes do Cristianismo sabem o que é lutar com isso. Este é um combate em que tem havido muitos vitoriosos e vítimas fatais. É também um combate que pode subir ao púlpito. Pois a forma como a pessoa crê na Bíblia tende a afetar diretamente a pregação e seus efeitos. Na boca do profeta Jeremias a Palavra de Deus era como fogo. “Eis que converterei em fogo as minhas palavras na tua boca” (Jr 5.14) e, “Não é a minha palavra fogo, diz o Senhor, e martelo que esmiúça a penha?” (Jr 23.29).

Para quem deseja ler um pouco mais acerca deste assunto, recomendo o livro de Dr. James Montgomery Boice (1938-2000), ”O Alicerce da Autoridade Bíblica”, publicado por Edições Vida Nova.
[1] Young, Edward J. Thy Word is Truth. Grand Rapids: Michigan, Wm. B. Eardmans Publishing Company, 1957, p. 133 ss.

[2] “A Declaração de Chicaco sobre Inerrância da Bíblia” foi finalizada numa reunião convocada pelo Concílio Internacional de Inerrância Bíblica, realizada em Chicaco, Illinois, em outubro de 1978. Apud MacArthur,Jr., John. Como Obter o máximo da Palavra de Deus. São Paulo: Cultura Cristã,1999, p. 55.

[3] Idem, p. 56.

[4] Lloyd-Jones, D. Martyn. “The Authority of the Scripture”, Eternity, Abril de 1957, apud MacArthur,Jr, op. cit., p. 59.

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