17 de agosto de 2009
O caminho de Jericó.
O caminho de Jericó era um problema. Era íngreme, saía do nível do mar e ia até mais ou menos 1.100 metros de altitude. Estrada conhecida como caminho sanguinário, covil de salteadores, e, apesar de ser o caminho mais curto (mais ou menos 24 quilômetros), era o mais perigoso e temido da época. É neste caminho que vamos encontrar a paisagem usada em uma das mais interessantes parábolas usadas por Jesus Cristo em seu curto ministério. Jesus, ao falar do amor ao próximo foi indagado sobre quem realmente seria o próximo a ser amado, pois o povo da época sabia muito de leis e tradições religiosas, mas era pouco afeito a repartir o pão com estranhos. Para poder ensinar sem ofender as vaidades pessoais de cada um, Jesus então propõe uma parábola. A parábola do Bom Samaritano se passa neste caminho, e, quando Jesus fala que casualmente passavam por ali sacerdotes e levitas, é porque ele sabia que este não era o caminho usual de quem subia de Jerusalém para Jericó; principalmente se levassem algum dinheiro na bolsa. Tanto sacerdotes (da linhagem de Arão) como levitas (da tribo de Levi), prestavam serviços no templo de Jerusalém, faziam seus trabalhos e viviam dele, portanto, quando voltavam, sempre tinham algum dinheiro na bolsa. O mestre sabia que seus ouvintes entenderiam a parábola, pois todos conheciam a periculosidade daquele caminho. Assim Jesus pregava, numa linguagem simples e direta, clara, concisa e que sempre chegava a tempo hábil, sem rodeios, sem rapapés ou salamaleques. O sacerdote, que por sua própria função religiosa, era para ter parado e prestado socorro ao homem ferido, passou de largo, sem se importar com o desafortunado viajante; semelhantemente assim também o fez o Levita, homem ungido que prestava serviços na casa de Deus. Ambos estavam mais preocupados em proteger suas bolsas e não se contaminar com algo impuro, do que prestar socorro ao homem caído à beira da estrada. Todavia também vinha por este caminho um samaritano, homem de Samaria, terra malvista pelos judeus. Justamente este que não tinha obrigação nenhuma de ser o próximo do moribundo, parou, teve compaixão pelo homem, abriu sua bolsa e, tirando dela azeite e vinho cuidou daquelas chagas, transportou o ferido sobre seu animal e o deixou em uma hospedaria, não se ausentando sem antes gastar dois denários com as custas da hospedagem e prometer voltar para indenizar o hospedeiro se caso algum gasto mais fosse necessário para o completo restabelecimento daquele homem. Em Nova Iorque, foi feita uma experiência com um grupo de seminaristas. No programa de formação para a pregação, pediu-se-lhes que preparassem uma homilia sobre a parábola do Bom Samaritano. Deviam preparar os seus textos e em seguida dirigir-se a pé para o estúdio onde o sermão seria gravado em vídeo. Em certo ponto desse percurso, um actor, representando um homem ferido e maltratado, jazia por terra, coberto de sangue, pedindo ajuda. Oitenta por cento dos seminaristas passaram por ele e nem sequer o viram. Tinham estudado a parábola e feito sobre ela belas composições literárias e, no entanto, passaram ignorando-o. Que teremos de fazer para nos abrirmos aos outros ? Para a maior parte das pessoas, esta profunda consciência do outro ocorre, da maneira mais forte, quando nos apaixonamos por alguém. Quando nos apaixonamos, deixamos, pelo menos de vez em quando, de ser o centro do universo, e cedemos ao outro esse lugar. Deixamos de ser o sol e passamos a ser a lua. Mas isto, realmente, não responde à nossa questão. Não podemos apaixonar-nos por toda a gente! E o Bom Samaritano não se apaixonou pelo homem ferido! A pergunta é, pois, o seguinte: Que teremos que fazer para nos deixarmos tocar por quem mal conhecemos ? O Samaritano é tocado porque vê o homem ferido. O sacerdote e o levita também o vêem, não como alguém que precisa de ajuda, mas antes como uma possível fonte de impureza. Aprendemos muito com esta parábola, mesmo que dois mil anos depois, em outro contexto, as palavras de Jesus soam atuais, como se tivessem sido escritas em pleno século 21. Aprendemos que é preciso, para amar ao próximo, dar uma parada no corre-corre do dia a dia; é preciso que olhemos ao nosso redor e tomemos pé da situação; é necessário que passemos da contemplação para a ação, rompendo de vez com a inércia espiritual que tomou conta da igreja neste terceiro milênio. Aprendemos um pouco sobre hipocrisia, sobeja entre a elite religiosa daquela época, porém não fugindo à regra em nossos dias, onde muitos se locupletam com dízimos e ofertas de gente humilde, mas que não manifestam a mínima misericórdia com o sofrimento alheio. Hoje Jesus é negociado nos altares como mercadoria barata, enquanto as ovelhas apodrecem por falta de cura, ou definham por comerem pasto de baixa caloria espiritual. Temos homens bons de ritual, retórica e tradicionalismo, mas de práticas cristãs duvidosas. Aprendemos também sobre o que levar na bolsa, ou seja, em nossa bagagem espiritual. É muito importante termos azeite (unção) para evitar o ressecamento das feridas do rebanho, e vinho, ou seja o Sangue do Cordeiro, para limpar a ferida e encaminhar sua perfeita cicatrização. Aprendemos também sobre o Serviço Social da Igreja, coisa que alguns não gostam de mencionar. Sim, pois o bom samaritano precisou de dinheiro (dois denários) para pagar a hospedagem. Notem que ele não se preocupou somente com as feridas do homem à beira do caminho, ele o encaminhou a um local limpo e decente para que o mesmo tivesse um completo restabelecimento, e mais, pagou pela hospedagem. Os dois denários (ou dracmas, moedas de prata de maior circulação em todo o Império Romano) podiam pagar 16 quilos de pão e representavam o salário de dois dias de um trabalhador. Nosso caminho para Jericó, hoje, é tão íngreme quanto o daquela época, temos tantos salteadores quanto naquela época, porém as vítimas são inúmeras, o diabo tem lançado suas setas inflamadas contra tudo e todos, e não poucos tem caído à beira da estrada. É necessário que nós, viajantes deste tempo, sempre levemos em nossa bolsa o azeite da unção de Deus, que tenhamos sempre à mão o Sangue de Cristo, e os denários, ou seja, crédito no céu, para que possamos interceder pela completa recuperação dos feridos que encontrarmos pela estrada. É necessário também que os transportemos até a estalagem, pois a maioria deles não têm forças para chegar lá sozinhos, nem possuem o dinheiro necessário para pagar as despesas. Estamos realmente dispostos a mexer em nossa bolsa? Se nossa bolsa levar só denários, prata, coisas materiais e preocupações próprias, estaremos tão cercados de cuidados para com ela que passaremos de largo por tudo e todos que encontrarmos pelo caminho. Talvez até cheguemos a salvo ao fim da estrada, mas nossa bolsa terá a chave para abrir os portões? Nosso dinheiro servirá como passaporte para a vida eterna? Nossa consciência estará em paz? O caminho para Jericó pode ser, ainda hoje, um amplo espaço para reflexão, desde que estejamos dispostos a isso!
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