9 de novembro de 2008

Juiz de Tupã e Pastoral Carcerária

Juiz denuncia regime de exceção nas prisões de SP
Chico Siqueira
Direto de Araçatuba


Um regime de pena cruel, que fere as principais resoluções internacionais de proteção dos direitos humanos e que vai contra a legislação penal e Constituição Federal vigora há décadas nas penitenciárias do Estado de São Paulo, de acordo com o juiz da Vara de Execuções Penais de Tupã, Gerdinaldo Quichaba Costa. O regime deixa o preso incomunicável e funciona em celas especiais, chamadas de disciplinares, instaladas em praticamente todas as unidades penitenciárias paulistas.
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Nessas celas, a título de castigo, detentos que cometeram faltas disciplinares consideradas graves pela administração dos presídios ficam enclausurados por até 30 dias. São solitárias, algumas sem ou com pouca iluminação, nas quais o detento fica impossibilitado de receber visitas e de sair para banho de sol, além de ter um espaço exíguo para locomoção (no máximo de 6 m²). As portas são de metal maciço, com uma pequena portinhola; o único contato do preso é com o agente penitenciário que fica do lado de fora e que, em alguns casos, controla o uso da torneira e do sanitário, segundo relatou um detento que pediu para não ser identificado.

A primeira autoridade do Judiciário a denunciar a existência desse regime nas prisões de São Paulo foi Gerdinaldo Costa. Ele formalizou a denúncia em portaria na qual determina que presos detidos nessas celas, nas unidades de sua jurisdição (penitenciárias 1 e 2 de Pacaembu, de Junqueirópolis e de Lucélia), possam tomar banho de sol por pelo menos duas horas por dia.

Além de tirá-los do confinamento, a medida visa a dar aos presos a possibilidade de caminhar, o que é impossível dentro das celas. "O que estou fazendo é uma tentativa de amenizar o sofrimento dessas pessoas, que vivem sob um regime de pena cruel, de tortura. Um castigo inaceitável nem mesmo em regimes de exceção e muito menos sob o ponto de vista das condições da dignidade humana e da aplicação correta da legislação penal", afirmou o juiz.

Ele considera o sistema pior que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), o mais severo adotado no País e no qual já cumpriram penas presos perigosos como Fernandinho Beira-Mar e Marcos Camacho (líder do Primeiro Comando da Capital). "Mesmo no RDD há a possibilidade de banho de sol, que não se restringe à incidência dos raios de sol, mas à possibilidade de circulação em ambiente diverso e mais amplo, o que não acontece nessas celas disciplinares", diz. O RDD também permite a visita de parentes, duas vezes por semana.

Castigo
Para a punição da falta grave, chamada de castigo pelos agentes penitenciários, são usadas celas especiais nos presídios, mas a normalidade com que a punição é adotada há tento tempo fez com que o governo de São Paulo criasse até mesmo uma unidade especial disciplinar, chamada de "unidade de castigo", que é a Penitenciária Zwinglio Ferreira, a P-1 de Presidente Venceslau.

Para lá, vão detentos que têm castigo para pagar e não encontram celas disciplinares vazias em suas unidades por conta da superlotação. A unidade fica dentro da Coordenadoria das Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado de São Paulo (Croesp) e tem espaço para 700 detentos, mas, segundo um agente penitenciário que trabalhou no local, tem de 300 a 400 apenados, sendo de 170 a 200 presos submetidos ao castigo.

"Eles ficam em solitárias, que medem cerca de 2 m por 3 m, enquanto o restante é de presos comuns, que prestam serviços internos, vivem em celas normais, e trabalham para a Croesp", afirmou o agente, que pediu para não se identificar.

A medida, segundo o juiz, também é aplicada nos casos em que uma pessoa chega pela primeira vez para cumprir pena num presídio e é obrigada a ficar, por até 15 dias, numa solitária, a título de observação e segurança, antes do convívio com os demais detentos. "Neste caso, o detento também tem sua dignidade ofendida e seus direitos humanos desrespeitados", afirma.

Na portaria, Costa cita a diversos tratados internacionais e convenções assinadas pelo Brasil, entre eles a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, além da Constituição Federal e de legislação específica brasileira, como a resolução 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e a Lei de Execuções Penais.

"A situação vivida hoje nessas celas vai contra o entendimento adotado por todas essas leis e acordos internacionais", afirma o juiz. Segundo ele, o Ministério Público está sendo acionado para fiscalizar o cumprimento da portaria nos presídios de sua jurisdição.

Pastoral fez denúncias
"Pela primeira vez o Judiciário toma uma atitude para acabar com este abuso", afirmou o padre Valdir João Silveira, presidente estadual e vice-presidente nacional da Pastoral Carcerária, referindo-se à iniciativa de Costa.

Segundo Silveira, há anos a Pastoral denuncia a existência de celas que deixam os presos incomunicáveis e sem banho de sol, não só em São Paulo, mas como em quase todos os Estados do País. "Presenciamos esta situação de Norte a Sul", afirmou.

"Isso acontece mesmo, há presos que ficam até mais de 30 dias, 40 ou 60 dias sem banho de sol e totalmente incomunicáveis, em celas escuras, numa situação de tortura, que fere a dignidade humana", disse. Segundo ele, a prática também acontece nos Centros de Detenção Provisória (CDPs) da capital e do interior de São Paulo. "Há pessoas presas por pequenos delitos, mas são obrigadas a passar por essa situação", afirmou.

Segundo Silveira, a Pastoral já fez a denúncia mais de uma vez aos organismos internacionais, que cobraram explicações do governo brasileiro. "Quase sempre a explicação do nosso governo é a de que não há espaço para colocar os presos para banho de sol", afirmou, acrescentando que a denúncia também foi feita à CPI do Sistema Carcerário.

Procurada para falar sobre o assunto, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) informou por meio de nota oficial que "não irá se manifestar sobre as decisões do juiz de Tupã".

Especial para Terra

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