Juiz denuncia regime de exceção nas prisões de SP
Chico Siqueira
Direto de Araçatuba
Um regime de pena cruel, que fere as principais resoluções internacionais de proteção dos direitos humanos e que vai contra a legislação penal e Constituição Federal vigora há décadas nas penitenciárias do Estado de São Paulo, de acordo com o juiz da Vara de Execuções Penais de Tupã, Gerdinaldo Quichaba Costa. O regime deixa o preso incomunicável e funciona em celas especiais, chamadas de disciplinares, instaladas em praticamente todas as unidades penitenciárias paulistas.
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Nessas celas, a título de castigo, detentos que cometeram faltas disciplinares consideradas graves pela administração dos presídios ficam enclausurados por até 30 dias. São solitárias, algumas sem ou com pouca iluminação, nas quais o detento fica impossibilitado de receber visitas e de sair para banho de sol, além de ter um espaço exíguo para locomoção (no máximo de 6 m²). As portas são de metal maciço, com uma pequena portinhola; o único contato do preso é com o agente penitenciário que fica do lado de fora e que, em alguns casos, controla o uso da torneira e do sanitário, segundo relatou um detento que pediu para não ser identificado.
A primeira autoridade do Judiciário a denunciar a existência desse regime nas prisões de São Paulo foi Gerdinaldo Costa. Ele formalizou a denúncia em portaria na qual determina que presos detidos nessas celas, nas unidades de sua jurisdição (penitenciárias 1 e 2 de Pacaembu, de Junqueirópolis e de Lucélia), possam tomar banho de sol por pelo menos duas horas por dia.
Além de tirá-los do confinamento, a medida visa a dar aos presos a possibilidade de caminhar, o que é impossível dentro das celas. "O que estou fazendo é uma tentativa de amenizar o sofrimento dessas pessoas, que vivem sob um regime de pena cruel, de tortura. Um castigo inaceitável nem mesmo em regimes de exceção e muito menos sob o ponto de vista das condições da dignidade humana e da aplicação correta da legislação penal", afirmou o juiz.
Ele considera o sistema pior que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), o mais severo adotado no País e no qual já cumpriram penas presos perigosos como Fernandinho Beira-Mar e Marcos Camacho (líder do Primeiro Comando da Capital). "Mesmo no RDD há a possibilidade de banho de sol, que não se restringe à incidência dos raios de sol, mas à possibilidade de circulação em ambiente diverso e mais amplo, o que não acontece nessas celas disciplinares", diz. O RDD também permite a visita de parentes, duas vezes por semana.
Castigo
Para a punição da falta grave, chamada de castigo pelos agentes penitenciários, são usadas celas especiais nos presídios, mas a normalidade com que a punição é adotada há tento tempo fez com que o governo de São Paulo criasse até mesmo uma unidade especial disciplinar, chamada de "unidade de castigo", que é a Penitenciária Zwinglio Ferreira, a P-1 de Presidente Venceslau.
Para lá, vão detentos que têm castigo para pagar e não encontram celas disciplinares vazias em suas unidades por conta da superlotação. A unidade fica dentro da Coordenadoria das Unidades Prisionais da Região Oeste do Estado de São Paulo (Croesp) e tem espaço para 700 detentos, mas, segundo um agente penitenciário que trabalhou no local, tem de 300 a 400 apenados, sendo de 170 a 200 presos submetidos ao castigo.
"Eles ficam em solitárias, que medem cerca de 2 m por 3 m, enquanto o restante é de presos comuns, que prestam serviços internos, vivem em celas normais, e trabalham para a Croesp", afirmou o agente, que pediu para não se identificar.
A medida, segundo o juiz, também é aplicada nos casos em que uma pessoa chega pela primeira vez para cumprir pena num presídio e é obrigada a ficar, por até 15 dias, numa solitária, a título de observação e segurança, antes do convívio com os demais detentos. "Neste caso, o detento também tem sua dignidade ofendida e seus direitos humanos desrespeitados", afirma.
Na portaria, Costa cita a diversos tratados internacionais e convenções assinadas pelo Brasil, entre eles a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, além da Constituição Federal e de legislação específica brasileira, como a resolução 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e a Lei de Execuções Penais.
"A situação vivida hoje nessas celas vai contra o entendimento adotado por todas essas leis e acordos internacionais", afirma o juiz. Segundo ele, o Ministério Público está sendo acionado para fiscalizar o cumprimento da portaria nos presídios de sua jurisdição.
Pastoral fez denúncias
"Pela primeira vez o Judiciário toma uma atitude para acabar com este abuso", afirmou o padre Valdir João Silveira, presidente estadual e vice-presidente nacional da Pastoral Carcerária, referindo-se à iniciativa de Costa.
Segundo Silveira, há anos a Pastoral denuncia a existência de celas que deixam os presos incomunicáveis e sem banho de sol, não só em São Paulo, mas como em quase todos os Estados do País. "Presenciamos esta situação de Norte a Sul", afirmou.
"Isso acontece mesmo, há presos que ficam até mais de 30 dias, 40 ou 60 dias sem banho de sol e totalmente incomunicáveis, em celas escuras, numa situação de tortura, que fere a dignidade humana", disse. Segundo ele, a prática também acontece nos Centros de Detenção Provisória (CDPs) da capital e do interior de São Paulo. "Há pessoas presas por pequenos delitos, mas são obrigadas a passar por essa situação", afirmou.
Segundo Silveira, a Pastoral já fez a denúncia mais de uma vez aos organismos internacionais, que cobraram explicações do governo brasileiro. "Quase sempre a explicação do nosso governo é a de que não há espaço para colocar os presos para banho de sol", afirmou, acrescentando que a denúncia também foi feita à CPI do Sistema Carcerário.
Procurada para falar sobre o assunto, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) informou por meio de nota oficial que "não irá se manifestar sobre as decisões do juiz de Tupã".
Especial para Terra
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