2 de novembro de 2008

SAÚDE; Enfermagem

Os enfermeiros vêm tentando construir um corpo de conhecimentos próprio para ser utilizado pela enfermagem na prestação da assistência ao cliente. De acordo com Chinn & Kramer,(1) Florence Nightingale foi a primeira enfermeira a estabelecer um modelo de educação formal para as enfermeiras basearem sua prática. O tipo de conhecimento valorizado na enfermagem tem sofrido mudanças ao longo das décadas desde Florence, até alcançar o que lhe é atribuído atualmente. Consideramos importante assinalar que:

"...a uma fase de experiências rudimentares, guiada pela luz da arte e marcada pelo subjetivismo decorrente da posição do observador, foram e estão sucedendo outras, em que os aspectos da realidade registrados pelos sentidos estão profundamente envolvidos em identificar as próprias bases do conhecimento, gerando conceitos, princípios e teorias específicas à enfermagem".(2)

Percebemos ser inegável e amplo o avanço da enfermagem, no que se refere à prestação de cuidados fundamentados em princípios científicos. Porém, a aceitação da enfermagem como ciência ainda vem sendo uma das preocupações de teóricos enfermeiros, ressaltando aqueles atuantes nas áreas de ensino e pesquisa. Neste contexto, cresce a necessidade de construção de um corpo de conhecimentos específicos da profissão. Ao nosso ver, as teorias de enfermagem constituem-se num instrumento utilizado para orientar e guiar a prática da enfermagem na busca desta especificidade.

Desde a década de 50, estudiosas de enfermagem, principalmente as americanas têm formulado teorias e modelos de atuação na tentativa de que sejam adotadas, servindo de referencial para a enfermagem na assistência ao indivíduo, à família e à comunidade. Horta(3) relembra que na década de 60 surgiram as primeiras teorias de enfermagem, e que estas procuravam relacionar fatos, guiar decisões sobre o que questionar e diagnosticar, como intervir, o que avaliar, enfim, estabelecer bases para uma ciência da enfermagem.

Devemos considerar o fato de que, à teoria das Necessidades Humanas Básicas é intrínseca a sistematização da assistência, através do modelo de processo de enfermagem preconizado por Horta.(3)

Stanton et al(4) consideram que o processo de enfermagem constitui o esquema subjacente que proporciona ordenamento e direcionamento ao trabalho do enfermeiro. Para a utilização profícua do processo de enfermagem, um profissional necessita aplicar conceitos e teorias. O uso da teoria, como estrutura, orienta e guia a prática da enfermagem.

"As teorias de enfermagem e a teorização em enfermagem têm sido glorificadas, minimizadas, diminuídas e mistificadas. Há aqueles que dizem que os enfermeiros não podem desenvolver teorias, outros dizem que a enfermagem é prática e não suscetível à teorização, e ainda outros que expuseram teorias de outras disciplinas, como as bases para a enfermagem".(5)

As opiniões são muitas e, às vezes, divergem entre si. Entretanto, acreditamos que as teorias de enfermagem ainda precisam dar grandes passos para integrarem-se à prática rotineira da profissão, pois devem ser vistas como um instrumento metodológico que pode orientar e guiar a prática.

Torres(6) ressalta ser importante a compreensão sobre o modo como a teoria, a pesquisa e a prática relacionam-se entre si, e como cada uma apóia a outra. As teorias conduzem a proposições que precisam ser testadas.

O tipo de formação profissional adotada por escolas de enfermagem constitui um aspecto decisivo na determinação do tipo de assistência a ser prestada. Relembramos que, quando discentes, nosso contato com as teorias de enfermagem deu-se num único momento, quando iniciamos o conteúdo profissionalizante do curso. Nesta fase, não conseguíamos avaliar a dimensão da enfermagem como profissão, o que dificultou a compreensão do que vinha a ser uma teoria de enfermagem. No decorrer do curso, não houve mais abordagens significativas acerca das teorias, determinando um esquecimento das teorias estudadas. Em conseqüência disso, mais tarde, no âmbito profissional, não houve tentativa alguma de aplicação de teorias de enfermagem na assistência prestada aos clientes.

Atualmente, como docentes, talvez estejamos repassando aos alunos nossas idéias adquiridas anteriormente, no que se refere às teorias de enfermagem. Para uma melhor compreensão do assunto em questão, apresentamos um breve histórico do conteúdo ministrado sobre o mesmo, especificamente na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais - EEUFMG.

Em 1981, com a implantação de um currículo novo na EEUFMG, a antiga disciplina Métodos e Técnicas foi substituída pela disciplina Fundamentos de Enfermagem. Nesta foi incluído o ensino de teorias de enfermagem e passaram a ser abordadas as teorias Sinergística, Holística, Homeostática, da Adaptação e das Necessidades Humanas Básicas (Anexo 1).

O marco referencial da disciplina Fundamentos de Enfermagem foi a teoria das Necessidades Humanas Básicas, da professora Wanda de Aguiar Horta. Lembramos que esta disciplina foi extinta do currículo do Curso de Graduação em Enfermagem, modificado pela Portaria 1721 do Diário Oficial da União, em 16 de dezembro de 1994.(7) Apesar da extinção da disciplina, consideramos importante uma reflexão sobre a percepção dos discentes do antigo currículo a respeito do tema em questão, pois esta pode contribuir com futuras discussões sobre a aplicabilidade de teorias de enfermagem em nossa prática profissional.

Mesmo com a recomendação de literatura aos discentes, do embasamento teórico fornecido pela disciplina e da aplicação do processo de enfermagem no ensino clínico desta, em Belo Horizonte não se observa um resultado prático disso. Percebemos o abandono da aplicação formal do processo de enfermagem e da teoria das Necessidades Humanas Básicas pelos profissionais egressos da nossa escola.

Com base no exposto, sentimos a necessidade de identificar os discentes que cursaram disciplinas ligadas a este assunto, sua percepção sobre as teorias de enfermagem e sua conseqüente aplicação na prática, com o intuito de subsidiar reflexões que possam contribuir para uma melhor operacionalização dessas teorias.

Assim, este estudo teve como objetivos identificar a percepção dos discentes da EEUFMG sobre as teorias de enfermagem, bem como identificar a importância atribuída pelos mesmos ao estudo dessas teorias.

Metodologia

O presente estudo, do tipo descritivo exploratório, realizou-se na EEUFMG, em Belo Horizonte.

A população constitui-se de discentes matriculados em disciplinas do ciclo profissional do Curso de Graduação em Enfermagem dessa escola, pertencentes ao antigo currículo e que estavam cursando entre o quinto e oitavo semestres no período de coleta de dados, num total de 170 indivíduos.

Foi elaborado um questionário contendo perguntas abertas e fechadas sobre o assunto, o qual constitui-se no instrumento para nossa coleta de dados (Anexo 2). Este foi avaliado por dois enfermeiros especialistas e validado com 10 discentes quanto à apresentação e conteúdo. Esses discentes não fizeram parte da amostra estudada.

Distribuímos 170 questionários e obtivemos um retorno de 89 (52%). Os dados foram tabulados manualmente, utilizando-se freqüências absolutas e relativas para sua apresentação, análise e discussão.

Resultados e discussão

Perfil dos discentes

A maior parte dos questionários foi respondida por discentes que estavam cursando entre o quinto e o sexto períodos, com idade variando entre 21 e 25 anos (82%).

Para identificarmos a opinião de discentes que já possuíam experiência na área de enfermagem, anterior ao ingresso na graduação, questionamo-los, considerando ser esta informação de grande importância, pela questão da nossa visão de que deve haver uma certa homogeneidade entre os membros da equipe quanto às formas de se conduzir a assistência. Porém, a maioria dos discentes abordados não tinha experiência na área (64%).

Daniel(8) reconhece que o relacionamento na enfermagem desenvolve-se em situações vivenciais diárias e está de acordo sobre o estabelecimento de metas a serem alcançadas pelos tratamentos e intervenções estabelecidos por uma equipe, onde melhores resultados são alcançados se houver um consenso acerca da forma de agir de todos os profissionais envolvidos com o cliente. Concordamos com Daniel,(8) pois também acreditamos que o êxito na adoção de uma teoria para nortear a assistência depende do envolvimento de toda a equipe de enfermagem.

Percepção dos discentes acerca do estudo de teorias de enfermagem

Verificamos que, apesar da dificuldade demonstrada pelos discentes em discorrer sobre teorias de enfermagem, a maioria (97%) referiu conhecimento do assunto através de estudos durante a graduação.

A disciplina Fundamentos de Enfermagem foi a mais citada (53%) como ministradora do tema (Tabela 1), seguida das disciplinas Exercício da Enfermagem (23%), Introdução à Enfermagem (10%) e outras (13%), todas já extintas do currículo do Curso de Graduação em Enfermagem.

As disciplinas mais citadas eram ministradas em períodos iniciais do curso, entre o primeiro e o quarto períodos, o que pode explicar a classificação feita pelos discentes (73%) sobre o ensino de teorias de enfermagem como sendo descontínuo no transcorrer do curso (Figura 1).

Acreditamos que o cotidiano do cuidado é construído nas interações, a partir da integração entre os profissionais que cuidam e para tal trocam informações, fazem anotações, corridas de leito, etc. Partindo dessa crença, preocupa-nos a opinião dos discentes quanto à descontinuidade sentida pelos mesmos no ensino de teorias de enfermagem. Sob este prisma, observamos esta dificuldade, percebida pelos discentes, nas interações entre as pessoas que participam do processo ensino-aprendizagem em disciplinas voltadas diretamente para a assistência, o que julgamos poder vir a comprometer os princípios fundamentais do cuidado de enfermagem a ser prestado por esses alunos quando já profissionais.

Julgamos que a percepção tem relação direta com o conhecimento adquirido. Com o objetivo de identificar o conhecimento dos discentes sobre as teorias de enfermagem abordadas na disciplina Fundamentos de Enfermagem, foco de nosso interesse em particular, pontuamos as teorias de enfermagem e apresentamos uma idéia mais geral para cada uma delas, em cinco questões formuladas. Solicitamos aos discentes que identificassem as teorias conforme um enunciado oferecido. Apenas 26% dos discentes obtiveram acerto total, e o erro total ocorreu em 11% dos casos (Figura 2) para as definições mais gerais de cinco teorias de enfermagem (das Necessidades Humanas Básicas, da Adaptação, Sinergística, Holística e Homeostática).

Esperávamos que o processo de ensino-aprendizagem tivesse se realizado de maneira eficaz e eficiente, e que as idéias gerais sobre as teorias tivessem sido assimiladas. Porém, inferimos que não foi este o ocorrido.

Percepção dos discentes sobre a operacionalização das teorias de enfermagem

Questionados sobre a adequação do ensino de teorias de enfermagem em relação à prática profissional, 75% dos discentes classificaram o ensino como inadequado (Figura 3). Embora a maioria dos respondentes (75%) tenha considerado o ensino inadequado, 78% reconheceram que a utilização de teorias de enfermagem pode melhorar a qualidade da assistência (Figura 4).

Barbosa(9) refere que, na concepção pedagógica tradicional, o processo ensino-aprendizagem tem por foco o conhecimento estruturado numa base disciplinar linear e quase sempre descontextualizado.

Refletindo sobre a opinião dessa autora, julgamos ser importante uma revisão sobre a forma de ensino do referido tema e sua inserção na prática profissional, uma vez que um elevado número de discentes considera-o inadequado e o novo currículo do curso de graduação em enfermagem é vislumbrado como uma nova oportunidade para repensarmos o nosso fazer.

Sobre a forma de abordagem das teorias de enfermagem, ressaltamos que, em seu ensino clínico, no antigo quarto período, os alunos de Fundamentos de Enfermagem executavam o processo de enfermagem baseado na teoria das Necessidades Humanas Básicas, de Wanda Horta. No entanto, apenas 27 alunos (30%) admitiram que tiveram oportunidade para aplicação de teorias de enfermagem durante seu estágio em campo. Esses resultados levam-nos a questionar sobre a efetividade das metodologias de ensino em evidência naquele momento.

Ribeiro,(10) ao esplanar sobre os desafios deste final de século, afirma ser importante a construção de um novo contrato social na universidade brasileira, e estes desafios impõem a revisão de conteúdos curriculares e das metodologias de ensino empregadas, bem como a adoção de novas metodologias de ensino.

Sugestões de discentes para a melhoria do ensino do conteúdo das teorias de enfermagem

Solicitamos aos discentes que julgassem o conteúdo de teorias de enfermagem quanto a sua importância para a prática profissional. A maioria, 54%, julgou-o importante e ofereceu sugestões para a melhoria do ensino acerca do tema em questão. Dentre as sugestões apresentadas é importante destacar a necessidade de:

• associação das teorias às situações práticas reais, no momento em que as informações teóricas são transmitidas aos alunos;
• reestruturação do conteúdo, adequando-o às condições reais de trabalho do enfermeiro;
• aulas mais didáticas e dinâmicas, menos cansativas, com vivência prática de aplicação das teorias;
• continuidade do tema pelas outras disciplinas do curso, para não se prender a atividades de cunho meramente mecânico nos campos de estágio. O conteúdo das teorias deve favorecer a crítica e reflexão acerca das atividades a ser desempenhadas na prática;
• o conteúdo deve ser desenvolvido num crescente de complexidade pelos diversos professores no decorrer do curso.

Conclusões e sugestões

A maioria dos discentes classificou o ensino sobre teorias de enfermagem na EEUFMG como descontínuo. Também demonstrou pouco conhecimento sobre o conteúdo ministrado pelas disciplinas que abordaram o tema.

A maioria relacionou corretamente a professora Wanda de Aguiar Horta à teoria das Necessidades Humanas Básicas, a qual era utilizada como marco referencial da disciplina Fundamentos de Enfermagem.

Aspecto relevante foi o de que a maioria dos discentes entrevistados considerou o ensino de teorias de enfermagem como inadequado, porém, reconheceu que a utilização destas pode melhorar a qualidade da assistência. Paradoxalmente, os discentes referiram que as disciplinas que ministraram o tema "Teorias de Enfermagem" não levaram o discente a perceber a importância dessas teorias na prática.

Consideramos importante que sejam feitas reflexões, por parte de docentes que ministram o conteúdo, no que se refere às metodologias de ensino-aprendizagem adotadas para as abordagens teóricas e práticas, pois os discentes opinaram que mudanças são necessárias e o momento de mudança curricular favorece essas reflexões.

Acreditamos que a assimilação de teorias de enfermagem como instrumento de melhoria da qualidade da assistência constitui um processo pelo qual somos responsáveis, como docentes, pois nossos alunos serão profissionais de enfermagem, os quais reproduzirão, com certeza, muito do que absorveram na escola durante seu processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Chinn & Kramer,(1) espera-se que a teoria beneficie a prática, e esta deve ser desenvolvida cooperativamente entre pessoas que praticam a enfermagem. As teorias existem para subsidiar a prática, criando novas maneiras de percebê-la, transformá-la e reconstruí-la. Podemos criar estratégias para que nossos futuros profissionais percebam-nas assim: como instrumento na construção de uma nova ciência.

Summary

This is a descriptive and exploratory study to identify the students of the School of Nursing of the Federal University of Minas Gerais and their perceptions about the Nursing Theories instruction. The interviewed students have classified the instruction without continuity and inadequate. Besides that they recognized that the application of nursing theories can improve the nursing care to the client, family and community.

Key-words: Nursing Student; Nursing Theories, Nursing Education; Perception.

Resumen

Este articulo trata de un estudio descriptivo y exploratorio, que tiene por objetivo identificar los alumnos de la Escola de Enfermagem da UFMG y su percepción acerca de la manera de abordar la enseñanza de teorías de enfermería. Los alumnos entrevistados juzgaron la enseñanza como descontinua y inadecuada. Ellos reconocen que el uso de las teorías de enfermería puede mejorar la calidad de la assistencia a la persona, familia y comunidad.

Unitermos: Estudientes de Enfermeria; Teoria de Enfermeria; Educación en Enfermería; Percepcion.

Notas

* Enfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem Básica (ENB) da EEUFMG. Mestranda em Enfermagem.
** Enfermeira. Docente do ENB da EEUFMG. Mestre em Enfermagem.
*** Enfermeira. Docente do ENB da EEUFMG. Doutora em Enfermagem.

Endereço para correspondência:
Rua Alfredo Balena, 190
Escola de Enfermagem da UFMG - Santa Efigênia
30130-100 - Belo Horizonte - MG

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